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O discurso de intolerância nas redes

As redes sociais foram criadas com o objetivo de desenvolver um espaço onde familiares e amigos pudessem colaborar entre si, compartilhando informações, fotos, vídeos, datas comemorativas e muito mais, sem gerar atritos. Um lugar de paz e harmonia, onde todos pudessem se conectar, independentemente da distância. A primeira rede social de que tenho conhecimento e me lembro é o Orkut. Ela fez muito sucesso com base nesses princípios. Era utilizada nos primórdios da internet discada. Quem não se lembra, da minha geração, do discador, daquele barulhinho e da alegria quando a conexão com a rede era estabelecida? No entanto, tínhamos um problema, pois só podíamos acessá-la aos finais de semana e durante a madrugada, devido aos custos proibitivos durante o dia. O Orkut se tornou um centro de entretenimento, um canal alternativo de notícias, um lugar para fazer amigos e conhecer pessoas de todo o mundo. Era realmente um lugar inocente em comparação com o que vemos hoje.

Com o passar dos anos, o Orkut caiu em desuso e uma nova rede surgiu. Chamada Facebook, ela assumiu o papel de centro de entretenimento. Com os mesmos princípios da anterior, mas com mais funcionalidades, o Facebook se tornou o rei das redes sociais e hoje é uma das empresas mais influentes e lucrativas do mundo. Também temos o Twitter, uma micro rede que inicialmente permitia apenas caracteres, mas, para competir com o domínio do Facebook, teve que abrir mão de algumas regras. Surgiu também o Instagram, uma rede social de imagens que foi adquirida pelo Facebook, perdendo assim sua essência original. O WhatsApp também se tornou uma rede social após ser incorporado pelo Facebook. Os chineses entraram na jogada com o TikTok, uma rede de vídeos curtos que está causando um grande impacto em seus concorrentes. O YouTube, que antes era apenas um agregador de vídeos, também se tornou uma rede social com vídeos monetizados que atraem bilhões de espectadores.

O que me interessa neste texto é o poder que essas redes sociais deram aos cidadãos comuns. A ponto de causarem revoluções em certos países, como a Primavera Árabe, que destituiu governantes e levou à alteração de leis seculares, permitindo que o cidadão comum tivesse mais voz e desse razão ao clamor popular. Ao mesmo tempo, essas redes abalaram a forma como pensamos sobre os canais de notícias atualmente. Elas retiraram o poder da mídia tradicional de controlar as informações e colocaram esse poder nas mãos do cidadão comum. Esse simples fato alterou completamente a influência que a mídia tinha sobre a população, filtrando notícias para benefício próprio. Temos também as Fake News, que abalaram as eleições nos Estados Unidos, Brasil, Europa e em vários outros países. Como foram criadas pelos cidadãos comuns, não foram verificadas pelos detentores do conhecimento e, assim, propagaram mentiras com o objetivo de direcionar a atenção para o que desejavam. Quando descobriu-se que eram falsas, o estrago já estava feito. A busca por audiência faz isso, dando notoriedade a cidadãos que têm o dom da palavra, mas muitas vezes não têm o conhecimento necessário.

Mas por que será que o filtro das redes sociais não filtra nossa vontade de dizer o que vem do fundo de nosso ser? Pois nunca teríamos coragem de gritar cara a cara o que gritamos nas redes. No anonimato, escondidos atrás de uma tela, achamos que podemos tudo e que nada nos acontecerá. Mas na verdade é exatamente o contrário, pois somos constantemente vigiados e mesmo assim essa vigilância não nos impede de fazer essa catarse em forma de transferência. Seriam as redes sociais uma clínica psicanalítica sem o psicanalista para contrapor e interpretar seus desajustes? Eu penso que sim, pois através das redes sociais, onde nos sentimos invisíveis e podemos falar sobre qualquer assunto que nos convém, assim como na associação livre, fazemos uma transferência usando centenas de seguidores como nossos verdadeiros terapeutas. Mesmo que esses seguidores façam tudo o que não deveríamos fazer: dar opinião, tomar partido, discordar, xingar, compartilhar. Seria realmente uma clínica onde o desabafo é espontâneo, sincero e livremente associado. No entanto, não há uma transferência positiva, mas sim negativa, com consequências desastrosas para os envolvidos. Portanto, aqui vai um conselho para todos que desejam falar o que pensam. Procurem um psicanalista, pois através da transferência e resistência, ele poderá ajudar muito mais do que uma rede social. O analista irá orientá-lo a trilhar seu próprio caminho e ajudá-lo a compreender por que essa angústia está causando tanto sofrimento. Juntos, vocês encontrarão uma resposta para que você possa conviver em paz consigo mesmo. A psicanálise não acredita que precisamos nos curar para nos libertar das amarras da dor psíquica. Devemos nos redimir a nós mesmos e deixar de nos adaptar aos outros, aceitando-nos com nossas diferenças, falhas e faltas. A felicidade não é a máxima preconizada nas redes sociais. A felicidade é uma utopia criada para nos escravizar. Ser feliz é uma conquista diária, uma luta, e nem sempre a luta nos traz felicidade.

26 de agosto de 2022

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