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"O Conceito de Angústia" de Kierkegaard e a psicanálise contemporânea

Søren Kierkegaard, filósofo dinamarquês do século XIX, explorou em sua obra "O Conceito de Angústia" as complexidades da existência humana, destacando a angústia como uma experiência fundamental. Ao conectar isso com a psicanálise contemporânea, notamos que ambas as abordagens buscam compreender as profundezas da psique humana.

Kierkegaard mergulha nas raízes existenciais da angústia, destacando-a como inerente à liberdade humana. Ele argumenta que a angústia emerge da responsabilidade individual diante das escolhas e da possibilidade de errar. Essa reflexão ressoa com a psicanálise, especialmente nas obras de Sigmund Freud e Jacques Lacan, que exploram o inconsciente e a complexidade das emoções humanas.

A psicanálise contemporânea herda a preocupação de Kierkegaard ao investigar as camadas mais profundas da psique. A angústia, nesse contexto, torna-se uma manifestação do conflito entre impulsos inconscientes e a busca por equilíbrio psíquico. Freud, com seus conceitos de Id, Ego e Superego, oferece uma estrutura para compreender as forças internas que geram ansiedade e angústia.

Ao observar o trabalho de Lacan, encontramos a ideia do "Real", um domínio inatingível que gera angústia pela sua incompreensibilidade. Essa abordagem ecoa a ênfase de Kierkegaard na impossibilidade de escapar completamente da angústia em face das escolhas existenciais.

Ambos os pensadores exploram a dualidade inerente à condição humana. Kierkegaard destaca a tensão entre o finito e o infinito, enquanto a psicanálise explora o conflito entre o consciente e o inconsciente. Essa interseção revela-se na experiência da angústia, um fenômeno que transcende limites temporais e culturais.

No cenário contemporâneo da psicanálise, outros teóricos como Melanie Klein e Donald Winnicott expandem a compreensão da angústia infantil e seu impacto ao longo da vida. A ideia de relacionamentos primários e a formação do self são temas convergentes com a preocupação de Kierkegaard em relação à autenticidade e à responsabilidade existencial.

A prática clínica na psicanálise contemporânea reflete a abordagem de Kierkegaard ao destacar a importância do diálogo e da autorreflexão. A análise, seja filosófica ou psicanalítica, busca desvendar as complexidades individuais, permitindo uma compreensão mais profunda da angústia como parte intrínseca da condição humana.

No entanto, divergências também se manifestam. Kierkegaard, ancorado em sua perspectiva filosófica e existencial, pode ser interpretado como enfatizando a singularidade das experiências individuais, enquanto a psicanálise contemporânea muitas vezes busca padrões universais em meio à diversidade.

Em conclusão, a obra de Kierkegaard, especificamente "O Conceito de Angústia", dialoga de maneira significativa com a psicanálise contemporânea. Ambas as abordagens compartilham o interesse em desvelar as complexidades da mente humana, particularmente no que diz respeito à angústia. Enquanto Kierkegaard fornece uma base filosófica profunda, a psicanálise contemporânea expande e aprofunda essas reflexões, mantendo viva a exploração contínua da psique humana.

18 de dezembro de 2023

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