Eu Sei Que Isso É Verdade

 Assisti a uma minissérie na HBO que retrata o convívio angustiante entre dois irmãos gêmeos. Um deles desenvolve a esquizofrenia na fase adulta, mas desde sua mais tenra infância sofria com lapsos de memória, devaneios, esquecimentos, desordens cotidianas e, por conta de sua conduta doce e acalentadora, vivia sofrendo constantes agressões tanto no seio familiar como pelos colegas na escola. Tudo isso em consequência de seu já um pouco alterado estado de "normalidade". O tema da minissérie intercala períodos temporais da vida dos protagonistas, mas se atém como mote principal à fase crítica de sua enfermidade, incidindo aí memórias de eventos da infância e adolescência e até mesmo ligando eventos antes do nascimento dos gêmeos, que de certo modo tentam explicar o porquê dessa ligação forte entre eles, que vai perdurar por toda a vida de ambos, tanto para o bem quanto para o mal. De certo modo, eles têm uma vida mediana e nada que em sua fase prematura seja uma preocupação maior para os pais e escola. As notas dele eram boas e ele tinha um convívio saudável. No entanto, sempre contou com o apoio do irmão, o que desenvolveu um vínculo forte ao longo do tempo, mesmo sendo gêmeos. Ali existia uma conexão sádico-protetora. Um sempre amparando, socorrendo, tomando suas dores, se preocupando. O outro sempre se culpando por estar atrapalhando a vida de seu irmão, mas ao mesmo tempo sempre buscando seu conforto com ameaças e chantagens.

O título da minissérie, até então sem tradução para o mercado brasileiro: "I Know This Much Is True" (2020), com minha tradução livre do título, disseca os últimos momentos da doença que vai aos poucos levando um dos protagonistas a um caminho sem volta, a uma alucinação esquizofrênica que, por fim, tem um desfecho trágico. Tudo isso envolvendo o Estado, amigos, a família (aqui somente o irmão), assistentes sociais, terapeutas em uma luta contra quem está certo ou errado para com o paciente. A angústia da família é tanta que os parentes, que lhe restam, se afastam dos cuidados, deixando a carga toda em cima do irmão saudável, que vive sua vida em torno do seu irmão. Largando os estudos, perdendo seu matrimônio, sua dignidade, perdendo até a si mesmo. Talvez não seja culpa do irmão doente, mas acontece que o fardo que ele arrasta é tamanho que não lhe sobra força para puxar mais nada. Quase que cambaleia de uma situação para outra, incansável em busca de uma solução que amenize o sofrimento dele e do irmão. Tudo em sua vida órbita ao redor da esquizofrenia no irmão, tanto as culpas passadas por não poder amparar adequadamente, como as presentes por o irmão estar no estado em que se encontra. Os atos falhos seus e do seu irmão ele carrega para si. Como se ele pudesse dar um conforto maior ao irmão que dia a dia vem piorando seu quadro clínico.

Em um país avançado e onde os recursos são disponibilizados, mesmo assim se tem por parte das pessoas atos e ações que não condizem com o bom senso. O dinheiro sempre prevalecerá em desfavor ao paciente. Mesmo que tênue, essa balança sempre pende para o lado mais forte. Não se dão ouvidos aos familiares, e sobre os surtos esporádicos sempre se tem uma razão conclusiva para o evento. Faltou medicação, faltou atender seus devaneios, faltou carinho, faltou pulso firme, faltou tudo e nada ao mesmo tempo. Quem convive com um paciente assim diagnosticado sabe melhor que todos o quão ele pode ser perigoso, para si próprio e para os outros, pois ele tece uma realidade paralela e acredita nela veementemente, a ponto de chegar ao extremo dos extremos, pois não consegue ter um panorama do que está acontecendo consigo próprio. A busca por ajuda tem que ser consciente e na hora em que se faz necessária. Observando de fora do contexto familiar pode-se diagnosticar melhor o problema, mesmo que isso vá em desencontro aos anseios do cuidador. Mais importante, tem que se compartilhar os cuidados e até mesmo se questionar se o mais seguro não seria um local apropriado para que o pior não ocorra.

Nesse tipo de tratamento, o remédio pode até ser mais prejudicial ao paciente do que um tratamento mais humano, alternando medicação e cuidados pessoais, paliativos e terapêuticos, quando for necessário. Uma medicação muito forte pode tornar o paciente um morto-vivo, quase que em estado de dormência, um zumbi. Isso pode até facilitar sua convivência com o meio, mas tirá-lo da realidade não é a coisa certa a se fazer. Existem alternativas, mesmo que mais custosas aos que o cercam, porém menos penosas para o esquizofrênico, pois dopá-lo para sua própria segurança não lhe traz o que mais necessitamos, que seria a tranquilidade de espírito, paz interior para que ele possa lutar contra seus demônios. A degeneração causada pela doença também causa estragos nos que o cercam, pois tudo o que fazem parece nada, parece que quanto mais você luta para tirá-lo do buraco onde ele se meteu, mais ele contra-pesa e te arrasta para ele. Enfim, nos damos por vencidos quando o inevitável acontece e tentamos catar os cacos que restaram dessa vida de carinho, companheirismo, renúncia e desespero, que mesmo na morte não nos traz acalento. Pois se vive a eterna culpa de que poderíamos ter feito mais, que o ocorrido foi por meu desleixo, descuido, por minha vaidade mundana. Assim seguimos a vida, tentando consertar os erros cometidos por nós e tentando nos desculpar pelas perdas que tivemos nesse caminho.

20 de maio de 2022

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